domingo, 9 de setembro de 2018

Reflexões filosófico-sociais


Há algum tempo venho pesquisando o porque os técnicos da área de trânsito e transporte, em sua maioria, não compreendem as necessidades de modais ativos. É muito difícil o diálogo entre nós ciclistas com essa elite intelectual. Hoje encontrei uma pequena passagem de um texto em um livro de Jessé Souza (1) que coloca uma luz em minhas ideias.
Desde Descartes, há uma concepção dualista entre mente/corpo, ou seja, a ideia de que a mente é uma entidade distinta do corpo. Devido a esta concepção, há uma tendência racionalista e intelectualista dominante na sociedade, e que portanto tem reflexo na produção técnica, ou seja, isso responde à algumas questões que tenho procurado entender, principalmente no que se refere ao uso da técnica para respostas a questões tão amplas como o uso da bicicleta como transporte.
Essa teoria abre caminho para que eu possa elucidar mais facilmente duas questões: uma delas é que a técnica não é isenta de ideologia, ou seja, quando um técnico é contra o uso da bicicleta nas vias ele consegue provar tecnicamente sua inviabilidade. Outra questão está relacionada à prática, quando utilizamos nosso corpo como elemento de articulação com a realidade vivenciada.
Isso significa que o componente corpóreo e contextual (inserido nas vias da cidade), não é uma abstração intelectual. Nesse sentido, é isso que mostra porque o movimento ciclístico tem tido tanta visibilidade e poder de mudança na sociedade contemporânea. Segundo Souza, "a prática pode ser articulável, ou seja, ela pode explicitar razões e explicações para o seu "ser deste modo e não de qualquer outro" quando desafiada a isto(...)".
Essa teoria contemporânea dirigida à crítica das concepções filosóficas ou sociológicas que abstraem, de modo indevido, segundo Souza, do componente radicalmente situado e contextual da ação humana é desenvolvida por Charles Taylor e Pierre Bourdieu, cada um a sua maneira de refletir sobre a realidade contemporânea.
Segundo Souza, tanto Wittgenstein quanto Bourdieu enfatizam o elemento da prática.
Creio que isso ajuda um pouco a elucidar nossas dificuldades e ao mesmo tempo, de maneira contraditória, algumas conquistas, pois quando conseguimos mostrar aos técnicos e aos gestores que a experiência prática tem valor e razão, temos a chance de trabalhar a questão de outra forma, que não seja a abstrata, aquela das normas e das regras criadas a partir do pensamento dualista mente/corpo.
1. Souza, Jessé. Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: LeYa,2018.

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